Em briga de marido e mulher, a sociedade deve meter a colher sim

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E denunciar o agressor. Familiares, parentes, amigos, vizinhos, uma amiga confidente, a cabeleireira, a pedicure/manicure, a médica, a advogada, a empregada doméstica, a babá, a parente mais próxima, qualquer pessoa que saiba que uma mulher é vítima de violência doméstica tem a obrigação moral e legal de denunciar. Essa atitude pode salvar uma vida feminina, em seus variados aspectos, inclusive evitando a morte da vítima, que pode estar sofrendo "calada" por anos a fio.

 

Esse apelo para conscientização e participação da sociedade integra a campanha do Agosto Lilás, que tem o objetivo de prevenir, combater e enfrentar os diferentes tipos de violência praticados contra a mulher, divulgando os órgãos e entidades envolvidos nessa proteção, as redes de suporte disponíveis e os canais de comunicação existentes para denúncias.

 

A campanha em Unaí começou com a distribuição de panfletos no calçadão do córrego Canabrava, na tarde de segunda-feira (2/8). O material distribuído traz informações sobre os diversos tipos de violência praticados contra a mulher e os canais de denúncia. A campanha é desenvolvida principalmente pela Prefeitura, por meio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Unaí (Creas), Polícia Militar, Polícia Civil e outras entidades da rede de proteção à mulher.

 

A intenção é estender a campanha para espaços como a escola e outros territórios onde a mulher e a família circulam. Criar parcerias para trabalhar o ano inteiro com as famílias. Falar muito sobre o tema.

 

REDE UNIDA

 

Para entender como funciona a rede de proteção à mulher em Unaí, reunimos numa sala da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania, na manhã dessa terça (3/8), para um bate-papo: Cleide Rodrigues Xavier (diretora do Creas), Raquel Carvalho de Matos (assistente social do Creas), Roger Campos (psicólogo do Creas), Cristiane Ferreira de Souza (advogada idealizadora do Amava – projeto de mulheres abusadas e violentadas no âmbito familiar em Unaí ), Soldado Valéria (da Patrulha de Prevenção à violência doméstica do 28º Batalhão da PM), Cabo Caldas (da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica do 28º BPM), Tenente Bianchini (coordenadora do Serviço de Prevenção à Violência Doméstica do 28º BPM) e Alessandra Machado Ramos (escrivã da Polícia Civil na Delegacia da Mulher).

 

Todos participaram de um proveitoso bate-papo por mais de uma hora, falaram objetivamente do trabalho que desenvolvem, contaram casos, expuseram suas opiniões. Mas como é necessário seguir um fio condutor para direcionar a matéria, pinçamos mais as falas de alguns dos participantes. Mas todos foram muito importantes para o entendimento global do tema. Foram 14 páginas transcritas somente do bate-papo.

 

A DENÚNCIA

 

Indaguei ao grupo sobre o que seria o mais importante destacar na matéria que aborda a violência cometida contra a mulher e seus desdobramentos. A resposta foi unânime: a denúncia! Na opinião do grupo, a sociedade precisa se conscientizar de que a denúncia é o primeiro passo para tirar a mulher do ciclo de violência a que é submetida e, especialmente, divulgar os canais em que as denúncias podem ser feitas, inclusive com garantias de anonimato ao denunciante.

 

Os presentes concordam também que 6 em cada 10 casos de violência contra a mulher em Unaí não chegam ao conhecimento das autoridades. Mas, a intenção é reverter esse quadro e obter o maior número de denúncias possível, por isso a campanha.

 

Os canais de denúncia são principalmente o telefone 190 da Polícia Militar, para casos em que o crime esteja ocorrendo e seja necessário chamar uma viatura ao local naquele momento, para efetuar o flagrante; e o 180 da Polícia Civil, para casos de denúncias e necessidade de investigação de qualquer dos tipos de violência cometidos contra a mulher.

 

A Delegacia da Mulher, da Polícia Civil, funciona na avenida Vereador João Narciso, 949, bairro Cachoeira. Lá, a denúncia pode ser feita pessoalmente. O local também está preparado para receber a vítima que prefira ser atendida e acolhida por outras mulheres (delegada, escrivãs, investigadoras), por se sentirem mais seguras e protegidas. Unaí está entre os 7% das cidades brasileiras que possuem uma equipe especializada (de mulheres) na delegacia, para atender a mulher vítima de violência.

 

A Polícia Militar, por intermédio do batalhão de Unaí, oferece a Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica, que faz o acompanhamento de casos das famílias vitimadas. Faz vários atendimentos, mas um em especial chamou a atenção da equipe: uma mulher que havia 30 anos sofria violência do marido e, só agora, reivindicou a medida protetiva. Isso marcou a patrulha.

 

Para a advogada Cristiane Ferreira, é obrigação da sociedade denunciar um caso sabido. "A mulher violentada se sente sozinha, sente vergonha, muitas estão humilhadas, precisam de apoio até para chegar à delegacia".

 

O projeto Amava surgiu ano passado, com a proposta de ofertar a essas mulheres o suporte jurídico, assistencial. "É um trabalho voluntário. Muitas mulheres chegam à Polícia passando pelo Amava", diz Cristiane, que prepara a formalização do projeto para transformá-lo em associação.

 

Quando instituída, a associação poderá receber verba pública e privada. E, a partir daí, instalar equipamentos como uma Casa de Acolhida, ou um local seguro para receber mulheres vítimas de violência, espaço ainda indisponível em Unaí.

 

"Já houve caso em que fomos à casa da família procurar pela mulher, e achamos lá o homem, sozinho. A mulher e os filhos tinham ido embora", conta Cristiane, ao acrescentar que a luta agora é identificar os casos de violência psicológica, também já tipificada como crime, e punir agressores.

 

EM TODAS AS CLASSES SOCIAIS E FAIXAS ETÁRIAS

 

A violência contra a mulher ocorre em todas as classes socioeconômicas e nas mais variadas idades. E a maioria é cometida pelo homem "de família", trabalhador, honesto, e não pelo criminoso comum. A maioria desses "honestos", inclusive, ficam muito constrangidos quando recebem uma ordem judicial no local de trabalho ou uma viatura em casa. "Muitos tomam o baque na hora em que recebem o mandado do oficial de Justiça", afirma o cabo Caldas.

 

Dependendo da classe social, muitos casos permanecem invisíveis e silenciados. E o silêncio impera. Há casos em que a vítima procura, silenciosamente a delegacia da mulher, e faz a denúncia. "Quando isso ocorre, a mulher já está numa situação limite", conta a escrivã Alessandra. "Ela chega envergonhada, porque envolve a intimidade, a vergonha. A vítima chega com sentimento de culpa, de que errou, não quer expor sua situação".

 

A violência permeia todas as idades. No caso dos casais, o psicólogo Roger Campos explica que as agressões podem começar sorrateiramente, ainda no namoro. "A violência é o desfecho de algo ruim que se vem construindo. Começa com algumas adolescentes que acham normal o namorado pegar elas pelo cabelo e sacudi-las quando está nervoso. Pegá-las pelo pescoço, encostar na parede e balançar. Acha normal apertar os dedos dela, porque ela fez algo que ele não aprova. Chutar debaixo da mesa, mandar a moça trocar uma roupa, porque ele não gostou. Afastar a jovem do convívio com a família, com os amigos, proibir de ir à escola".

 

Segundo o psicólogo, a mulher pode normalizar o ato entendendo ser simplesmente um tipo de ciúme. "Ele faz isso comigo, porque ele gosta de mim", ela pode dizer. "Mas isso não é verdade", repreende Roger Campos, ao admitir que pode ser muito difícil mudar essa mentalidade na sociedade. "Um namorado que te vigia, que te agride e alega ciúmes. Isso não é ciúme. Isso é posse. Não confunda isso com afeto".

 

Para Roger, o homem pode pensar assim: "meu pai batia na minha mãe, ela não falava nada. Mulher minha também tem de apanhar e aguentar calada". Ele argumenta que isso faz parte de um processo histórico-cultural arraigado na sociedade brasileira, que reproduz um modelo familiar e social machista, em que a mulher tem de ser submissa ao homem. Uma avó submissa, uma mãe submissa, uma filha submissa, todas dependentes dos "humores" do homem em todos os sentidos.

 

"A violência vai se construindo, começa com os danos psicológicos (agressões verbais, torturas mentais, ameaças veladas), parte para agressões físicas, vias de fato, e o desfecho pode ser a morte da vítima (taxas de feminicídio cresceram assustadoramente no Brasil nos últimos dois anos - pelo menos cinco mulheres foram assassinadas ou vítimas de violência por dia em 2020.).

 

É frustrante para nós quando chega a esse ponto", lamenta Roger, ao observar ser grande a reincidência nesse tipo de crime. Somente 40% das mulheres vítimas de violência levam o processo até o final.

 

Ele pondera que o homem brasileiro não é um bom homem para a mulher. "Estamos entre os piores homens do mundo, quando o assunto é violência doméstica. A cada 15 minutos, uma mulher é vitima de violência no Brasil", afirma o psicólogo do Creas, que viu praticamente dobrar o número de mulheres agredidas que chegam ao órgão municipal encaminhadas pela Justiça.

 

E a dependência química potencializa no homem um instinto agressivo, tirano, autoritário que vem sendo reforçado pelo processo histórico-cultural "machista" ao longo dos séculos. Segundo o psicólogo, 90% dos homens estão sob efeito de álcool quando agridem uma mulher. "A punição para o agressor é muito branda. Tem indivíduo que desacata a gente, intimida a gente", conta.

 

Esse tipo de violência se configura "quando o homem agride uma mulher", e não somente a violência praticada pelo marido contra a esposa, mas também do pai contra a filha, filho contra a mãe, primo contra a prima, tio contra a sobrinha, do avô contra a neta, do namorado contra a namorada (não precisa ter laço de consanguinidade) enfim, até do patrão contra uma empregada doméstica que vive por muitos anos com a família e já é considerada "da casa".

 

SUBMISSÃO E DEPENDÊNCIA

 

A dependência econômico-financeira é uma das causas determinantes para a vítima deixar de denunciar o agressor e alimentar o ciclo de violência, segundo avalia a advogada Cristiane. "Quando tem muito dinheiro, a mulher não denuncia, porque não quer dividir o patrimônio, quer manter o status social. Por outro lado, quando a mulher não tem dinheiro, não trabalha - por ter saído do trabalho para cuidar da família ou nunca ter trabalhado -, a dependência do homem é total", revela.

 

A advogada afirma que a maior parte das vítimas que recebe no escritório (ela calcula 9 em cada 10 mulheres) revela o fator financeiro como o grande problema a ser superado, já que impede providências de rompimento permanente. "Então, ela aguenta humilhação, ela aguenta puxão de cabelo, aguenta muita coisa. Mas talvez não aguente sair de casa, porque tem quatro filhos para criar. Ou não tem filhos e nem perspectivas. Ou então pensa ser muito velha para recomeçar a vida".

 

MEDIDA PROTETIVA

 

"Os homens não podem bater, e nem a mulher aceitar. O homem faz isso, porque pensa que não vai haver punição", avalia a assistente social do Creas, Raquel de Matos.
Uma das formas de punição é a medida protetiva, solicitada pela vítima e expedida pela Justiça. Mais comumente determina o afastamento do agressor do lar, mas também pode estipular pagamento de pensão alimentícia, proibição de contato com a vítima e restrição ou suspensão do porte de arma (se for o caso).

 

"Há uma ideia errônea, de que nada acontecerá com o agressor que descumprir as medidas protetivas. Isso não é verdade. Acontece sim. Ele vai preso", explica Raquel. Para a policial Alessandra, o agressor será punido, desde que a sociedade ajude a fiscalizá-lo, denuncie violação da medida protetiva ou novas agressões. "Nesse caso, pode ser preso em flagrante", frisa Alessandra.

 

O Centro de Referência Especializado em Assistência Social de Unaí viu dobrar nos últimos meses os casos de mulheres vítimas de violência doméstica encaminhados pela Justiça. "Antes, chegavam até três casos por semana ao Creas. Agora, chegam seis", atesta o psicólogo Roger Campos.

 

ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

A Prefeitura, por meio do Creas (órgão da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania), oferece atendimento à mulher vítima de violência. O encaminhamento ao órgão é feito pela Justiça, e a equipe técnica do Creas faz o acompanhamento psicossocial e de monitoramento do bem-estar da vítima.

 

A assistente social faz a identificação da família, tenta mapear toda a rede familiar da mulher para ver se existe uma rede de proteção dentro da família. O poder público não oferece uma casa de acolhimento para as vítimas.

 

"Quando há possibilidade, a vítima é encaminhada para algum equipamento de inclusão produtiva, como Sine (Sistema Nacional de Empregos), para tentar alguma colocação no mercado de trabalho. Porque isso traz empoderamento financeiro, autonomia e independência para essa mulher", diz Raquel.

 

Os psicólogos do Creas fazem o acompanhamento da vítima, com o objetivo de reduzir os danos que a violência causou (ou está causando) no "psicológico" dessa vítima. Roger Campos afirma que tratar a vítima de violência é muito difícil, porque existe vergonha, receio de falar do problema. "Muitas não se abrem, falam pela metade, recuam. Em alguns casos, já até reataram (o relacionamento) com o agressor e não querem mais falar daquilo".

 

Para Roger, mudar a mentalidade, denunciar, ajudar a rede a fazer seu trabalho é fundamental. "Quase todo mundo conhece uma mulher que apanha, que é humilhada, traída, explorada financeiramente. Todo mundo conhece histórias assim, mas pouca gente denuncia", lamenta o psicólogo.

 

Com isso, fazemos um caminho de volta ao início da matéria: é preciso denunciar, para reverter o quadro da violência praticada contra a mulher, invertendo o sentido do adágio popular: "em briga de marido e mulher, qualquer pessoa deve, sim, meter a colher". E denunciar!

 

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