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Data: 22/09/2021

A violência doméstica de uma forma geral aumentou muito, mas contra a criança e o adolescente está uma "coisa horrorosa", chegando a dobrar, ou mesmo triplicar os casos, nesse período pandêmico. A constatação é do psicólogo do Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Unaí (Creas), Roger Campos. Ele atribui a escalada da violência intrafamiliar em geral e do abuso sexual contra crianças e adolescentes em particular, ao fato de as pessoas terem ficado mais "fechadas" em casa, devido à pandemia e à necessidade do isolamento social. Tal situação levou à deterioração das relações dentro de algumas famílias.

 

"É comum a mãe sair para trabalhar, e o marido (ou namorado, ou companheiro, ou avô, tio, irmão ficarem em casa. Quando se trata de pedófilos, isso é uma grande ameaça às crianças, principalmente meninas", ressalta Roger. "É só pegar as estatísticas, você verá que a maioria dos abusadores é o pai, o padrasto, o avô, um tio. Eles estão no topo da lista dos abusadores. Porque, normalmente, o abusador é próximo da criança e em quem ela confia".

 

PERFIS DE ABUSADORES

 

Roger Campos ensina que existem dois "terríveis" perfis de abusadores sexuais: o predador, que abusa e mata. "Normalmente é um criminoso. Ele vai cometer o crime e ser preso". O segundo tipo é o sedutor, o pior dos dois na opinião do psicólogo, porque age disfarçado de bonzinho e, principalmente, está acima de qualquer suspeita dentro da família. "Ele compra a criança com dinheiro, com presentes. Ele abusa durante anos de filhas, de sobrinhas, de enteadas, sem que ninguém o interrompa".

 

"Quando falo de abuso não se trata necessariamente de estupro. Porque o estupro é fato consumado. É muito mais fácil você prender um cara que estuprou, devido às marcas físicas deixadas na vítima (escoriações, arranhões, ferimentos, mordidas) que podem ser descobertas pela perícia técnica da polícia. Por outro lado, o abuso, com a criança molestada sem o ato consumado, é terrível. Deixa marcas psicológicas devastadoras, porque o estrago que um abuso sexual provoca é devastador", argumenta Roger, com 21 anos de experiência na área de psicologia clínica.

 

Pedofilia é doença?

 

O psicólogo é enfático ao afirmar que pedofilia não é doença. Segundo explica, trata-se de uma perversão sexual terrível que provoca muita dor nas vítimas, porque o pedófilo só se satisfaz quando consegue seu intento, o que persegue com muita obsessão.

 

Como prevenir o abuso?

 

Roger Campos orienta as mães a não deixarem crianças (principalmente meninas) sozinhas com qualquer pessoa, mesmo que seja da família. Adolescentes rapazes (estão com a sexualidade aflorada pelos hormônios, o que pode ser agravado pelo uso de álcool e drogas), adultos muito apegados a crianças (mesmo sendo tios, avôs, primos). "Às vezes, é melhor deixar a criança com uma pessoa contratada", diz o psicólogo.

 

Lembro a ele que nem toda mãe tem condição de contratar alguém para tomar conta da criança. Nesse caso, ele orienta que a mãe deixe a criança, principalmente meninas, com uma irmã mais velha (que já tenha discernimento e responsabilidade), uma avó, tia, madrinha, ou com mulheres. "Evite deixar a menina com homens, porque é muito arriscado. O maior índice de abusos sexuais contra crianças ocorre dentro de casa e praticados por homens da família", ensina. "Em toda minha vida profissional de mais de duas décadas, só atendi dois casos em que os abusos sexuais foram cometidos por mulheres. O grosso dos casos é cometido por homens, por isso o alerta".

 

Para o psicólogo, as campanhas contra o abuso sexual de crianças e adolescentes deveriam focar especialmente na prevenção, nem tanto na denúncia como vem sendo disseminado. "A denúncia é importante, mas quando um caso chega a ser denunciado, o estrago já está feito".

 

Oriente a criança!

 

Roger Campos salienta que deve haver amor, afeto em família (que nem tudo é risco, ameaça, perigo), mas alerta que existe uma linha muito tênue entre afeto e a violação da intimidade da criança. Segundo ele, principalmente a mãe deve ensinar à criança que ninguém deve pôr a mão no corpo dela. "Ensine que somente a mamãe, a vovó, a titia, a madrinha podem dar banho ou trocar uma roupa. Caso alguém ponha a mão no corpo, peça a ela para lhe contar", recomenda o psicólogo.

 

Nada de pegar as meninas e sentar no colo do avô, do tio, do primo. Nada de meninas ou meninos ficarem andando nus pela casa. "Tudo isso é muito desnecessário", alerta. "São hábitos muitos estranhos que precisam ser rejeitados, como permitir brincadeiras de mau gosto com as crianças, pegar demais no corpo da criança, sentar a criança no colo, encher de carícias e até tocar nas partes íntimas da criança. Cuidado!".

 

O psicólogo explica que suas orientações podem parecer "caretas", mas quando avaliadas com atenção, podem salvar uma vítima em potencial de abusos e evitar que carreguem sequelas psicológicas por anos a fio, ou mesmo para sempre. "Não é para ficar paranoico com isso, claro. Mas é importante ficar atento ao redor da criança, especialmente meninas. "É muito importante que as pessoas tenham noção de respeito, de pudor, de intimidade. Nosso corpo é nosso templo. A gente precisa ter privacidade, intimidade. Adultos também devem evitar de ficar nus na frente das crianças", recomenda.

 

E o papel da escola?

 

Como o abuso ocorre em todas as classes sociais, econômicas, na cidade e na zona rural, o psicólogo ressalta que a escola é um grande agente de orientação e uma porta para denúncias. "Professores precisam falar com as crianças, porque o pai e a mãe muitas vezes ignoram como ajudar. Muitas vezes eles próprios foram vítimas de abuso e reproduzem isso naturalmente", avalia Roger. Ele reconhece que problemas dessa natureza permeiam toda a sociedade, que deve ser engajada em campanhas contra o abuso sexual infantil, mas a escola é uma célula frequentada por todo tipo de criança e adolescente, inclusive potenciais vítimas de abuso e exploração sexual.

 

Para o psicólogo, quando o assunto é violência e abuso contra seus alunos, a escola não deve ter o papel apenas pedagógico, mas de diagnóstico social. "Como professor que fui durante muitos anos, vejo que a escola é muitas vezes negligente. Muitas vezes, é do conhecimento da comunidade escolar de que uma criança é abusada, que um pai ou mãe são drogados, que a criança vai suja para escola, com fome, com sinais de espancamento, doente, e as famílias não fazem nada. E a escola não faz nada".

 

Segundo ele, crianças pedem socorro, inclusive com relação à sexualidade, e é preciso que a escola tenha um olhar diferenciado para certos alunos. "Fui professor durante 18 anos e sabemos o que é um aluno acuado em sala de aula, muitas vezes vítima de um pai violento". Algumas crianças filhas de uma mãe negligente, acrescenta o psicólogo, pedem socorro é para a professora, única pessoa em quem confia e que a criança às vezes vê como mãe.

 

Para Roger, além de oferecer tratamento mais humanizado, a escola também poderia falar sobre corpo, sexualidade, higiene corporal íntima, autoproteção, autocuidado, direitos das crianças, privacidade, intimidade, respeito. "Esses temas deveriam ser disciplina curricular recorrente no ensino fundamental", opina o psicólogo do Creas.

 

E o Creas?

 

O Creas é uma unidade pública de prestação de serviço social especializado, vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania de Unaí (Semdesc) e atende indivíduos e famílias socialmente vulneráveis que tiveram seus direitos violados, como nos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.

 

O Creas Unaí funciona na avenida Lisboa, 28, bairro São Sebastião. O telefone é o 3677-5083. Pode ser consultado por quem tem dúvidas sobre o tema ou precisa de mais informações.

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