Luta Antimanicomial: CAPs Unaí prepara programação para fortalecer política de saúde mental e contra manicômios

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No dia 6 de abril de 2001, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a lei que representou um divisor de águas no tratamento de brasileiros que sofrem com distúrbios, doenças e transtornos mentais. Foi a chamada Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216), que teve como marca registrada o fechamento gradual de manicômios e hospícios que proliferavam país afora.

 

A Lei Antimanicomial, que promoveu a reforma, tem como diretriz principal a internação do paciente somente se o tratamento fora do hospital se mostrar ineficaz. Em substituição aos hospitais psiquiátricos, o Ministério da Saúde determinou, em 2002, a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) em todo o país.

 

Os CAPs são espaços para o acolhimento de pacientes com transtornos mentais graves e persistentes, em tratamento não hospitalar. A função é prestar assistência psicológica e médica, visando à reintegração dos doentes à família e à sociedade, construção de uma sociedade mais tolerante (convívio com a diferença) e igualitária em direitos.

 

O CAPs de Unaí, com sua política de "portas abertas", possui equipe multiprofissional (médico psiquiatra, clínico geral, enfermeiras, psicólogos, assistente social, terapeuta ocupacional, técnicas de enfermagem e instrutoras de artesanato) para cuidar de pacientes com transtornos mentais e orientar suas famílias. São cerca de 900 pacientes cadastrados.

 

SEMANA DE LUTA ANTIMANICOMIAL

 

Uma intensa programação será desenvolvida pelo CAPs, no período de 14 a 21 de maio, para mostrar o serviço prestado pela unidade municipal, reforçar os direitos que a lei assegura aos pacientes e familiares, ampliar as informações e fortalecer a política antimanicomial e de valorização do atendimento psicossocial.

 

Um dos objetivos é reagir à queda dos investimentos do governo federal na rede de assistência psicossocial e, na contramão, o fortalecimento dos hospitais psiquiátricos, ato considerado por analistas como "a mercantilização da loucura" ou revogação de lei que prevê o tratamento "fora de manicômios e hospícios".

 

Para a terapeuta ocupacional do CAPs Unaí, Daniela Sousa de Oliveira, "isso é muito perigoso", porque a luta era para garantir vagas para os pacientes da saúde mental, quando necessário, em hospitais gerais, não hospitais psiquiátricos. "Não se engane: sinônimo de hospital psiquiátrico no Brasil é manicômio. E a gente luta contra isso. A gente não quer aprisionar pacientes, a gente não quer padronizar, não quer normalizar. A gente quer as pessoas vivas, livres para escolher o que querem fazer da vida delas".

 

Daniela, que fez residência em saúde mental, mestrado em saúde coletiva e já atuou em outros CAPs em Goiás e no Distrito Federal, ressalta que a lei antimanicomial não pode ser revogada. "O nosso grito é 'manicômio nunca mais'. Os usuários não querem isso (a volta de manicômios), a gente sabe da importância do cuidado do paciente em liberdade". Segundo ela, na política de manicômios, há um risco "muito grande" de as pessoas serem submetidas a maus-tratos e morrerem. "É um retrocesso muito perigoso", alerta a terapeuta.

 

Cumpre lembrar que manicômios eram locais onde isolavam e trancafiavam pessoas com transtornos mentais, ou quem mais o "sistema" gostaria de "limpar" da sociedade. O paciente era recebido à base de camisa de força, eletrochoques, lobotomias (cirurgias no cérebro para extrair a área afetada) e o isolamento imposto em verdadeiros "depósitos", que não raro os levavam à morte.

 

Os pacientes (mesmo sem laudo médico) eram depositados nessas instituições em péssimo estado, com grades, paredes infiltradas, falta de iluminação adequada. Pacientes sem roupa, drogados por medicamentos fortes, perambulando de um lado para o outro, em corredores ou internados. Sem acolhida, sem cuidados, sem assistência, sem direitos. 

 

"Era uma internação de longa permanência", explica a coordenadora de Saúde Mental do CAPs Unaí, enfermeira Karita Rosa de Oliveira. "Às vezes o paciente ficava lá abandonado pelo resto da vida, com assistência precária ou sem qualificação. Virava morador de manicômio", completa. Local com características de tratamento cruel, desumano e degradante, a tortura.

 

A coordenadora lembra que a Reforma Psiquiátrica (antimanicomial) e a criação dos CAPs possibilitaram a retirada do paciente dos hospitais (hospícios ou manicômios) e a promoção de novas estratégias de acolhimento, de assistência e cuidado integral. As novas ações previam a reabilitação e a reinserção dos pacientes com transtornos. "Todo o tratamento de base comunitária vem funcionando. A internação é o último recurso", assinala Karita.

 

CAPs PROMOVE POLÍTICAS DE PORTAS ABERTAS

 

Os pacientes chegam ao CAPs por demanda espontânea ou encaminhados pela Unidade Básica de Saúde, porta de entrada do SUS, conforme Karita explica. "O médico clínico e o enfermeiro da unidade básica (posto de saúde, PSF) estão preparados, estão capacitados para adotar os primeiros cuidados de saúde mental. Faz parte das atribuições e responsabilidades da atenção primária de saúde".

 

Transtornos leves de ansiedade, por exemplo, podem ser tratados na própria UBS ou em ambulatórios, acrescenta Karita. Os mais graves e persistentes (como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, depressão grave, etc.) ficam a cargo do CAPs, serviço que na hierarquia do SUS é classificado como de média e alta complexidade.

 

É raro, mas existem, os casos que extrapolam a capacidade de atendimento do CAPs Unaí, como explica a coordenadora. "Vai demandar internação psiquiátrica o paciente que o CAPs está acompanhando, utilizando todos os recursos especializados possíveis, mas o paciente tem fragilidades sociais e outras questões que impossibilitam controlar a crise".

 

Mas, é isso raro. A maior parte dos casos é resolvida na própria unidade, muito em razão das alternativas de serviços especializados ofertados em Unaí, que envolve atendimentos médicos e medicamentosos, cuidados individuais, em grupos, com a presença de familiares e as terapias indicadas – que vão de atendimentos psicológicos, passando por terapias ocupacionais e oficinas de arte e artesanato.

 

PROGRAMAÇÃO EM UNAÍ

 

Nesta quinta-feira, 5/5, o CAPs promove uma assembleia com pacientes atendidos e seus familiares, para discutir a programação do mês, que tem no dia 18 de maio o marco da Luta Antimanicomial. "Esse movimento não é do setor de saúde, deve ser um movimento de toda a sociedade", salienta Karita.

 

Segundo ela, esse será um movimento para os usuários e familiares terem a consciência da necessidade de reivindicarem a sua cidadania, reivindicarem melhorias para a área da saúde mental, defenderem seus direitos e fortalecerem a política sanitária e da atenção psicossocial. "Informar as pessoas sobre uma unidade aberta, que acolhe e cuida de pacientes livres, que podem ficar com quem gostam, e não isolados da sociedade".

 

Por isso, no sábado (14/5), haverá panfletagem (com entrega de material de informação e sensibilização sobre a saúde mental, a luta antimanicomial e o trabalho do CAPs) na feirinha do convento. A mesma panfletagem está prevista para a feirinha do bairro Novo Horizonte, no domingo (15/5); para o calçadão do córrego Canabrava na quarta (18/5); e para a feirinha do Divineia, na quinta-feira (19/5).

 

Na segunda-feira, 16/5, está prevista uma live (diz-se laive: transmissão ao vivo por meio de rede social) com um usuário de um CAPs de Brasília (DF), às 19h30, no Instagram da Prefeitura. Aberto à participação de profissionais, autoridades, estudantes e público geral. No mesmo horário, o Museu Municipal abrirá a Semana dos Museus, com o tema "Luta Antimanicomial". Haverá exposição sobre trabalhos produzidos no CAPs Unaí e fotos do movimento antimanicomial.

 

De 16 a 20 de maio, estão previstas oficinas no Museu Municipal, promovidas pelas instrutoras de artesanato do CAPs Unaí, com vistas à confecção de fantasias, colares, roupas, que serão utilizados em evento cultural programado para a Praça JK (da Prefeitura), na manhã do sábado, 21/5.

 

"A luta antimanicomial deve ser da sociedade como um todo. A sociedade inteira ganha com isso. Qualquer pessoa está sujeita a desenvolver um transtorno mental, ou ter um familiar ou amigo nessa condição. Portanto, a luta deve ser de toda a sociedade", reforça o psicólogo do CAPs Unaí, Fernando Ferreira, especialista em saúde mental.

 

DICAS DE FILME, DOCUMENTÁRIO E LEITURA PARA MAIOR CONHECIMENTO SOBRE O MANICÔMIO E SUAS POLÍTICAS

 

Para entender melhor como funcionavam os manicômios, recomendamos o livro-reportagem "Holocausto Brasileiro", um best-seller da jornalista mineira Daniela Arbex; o documentário "Em Nome da Razão", do cineasta mineiro Helvécio Ratton; e o filme "Bicho de Sete Cabeças", estrelado pelo ator Rodrigo Santoro, com direção de Laís Bodanzky.

 

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